Finalmente as coisas pareciam melhores para a família Lopes.
Depois do aperto que passaram, aquilo que uns chamam de maré de azar, outros de
sufoco ou crise, tudo corria na mais perfeita ordem. João que antes se sentia
como alguém que nadava, nadava e não respirava finalmente conseguiu chegar à
margem, que segundo ele tem cheiro de terra molhada. Com o emprego garantido a
família poderia realizar o sonho das duas meninas. Há tempos que pediam por
aquilo e recebiam a mesma resposta: Quando papai arrumar um emprego e tudo
correr bem a gente junta as malas, pega um ônibus e vai.
Lúcia que quando casou procurou um emprego apenas para não
precisar depender de marido e para poder comprar aquilo que quisesse, mal
imaginava que de uma hora pra outra, em um desses reveses da vida teria que
sustentar a casa. O salário não seria
ruim se fosse sozinha, mas para dar conta daquele número de pessoas foi
bastante apertado. Agora com João empregado Lúcia se sentia aliviada, como se
tivesse carregando algo muito pesado nas costas e finalmente pudesse deixar em
alguma superfície segura.
Quem vê a família Lopes feliz rumo ao litoral não imagina o
que passaram. Contornaram as dificuldades da vida sempre de cabeça erguida,
sorriso no rosto e sem nunca perder o mais importante, a união. Aquelas meninas com olhos pregados nas
janelas do ônibus são Beatriz e Ana. Os pais cederam as janelinhas para que não
perdessem nada é por isso que ficam ali o tempo todo observando. Bia é a mais velha, tem 7 anos, vivenciou o
apogeu financeiro da família e depois a decadência, tinha idade suficiente para
entender o que acontecia. Ana de 5 anos não entendia muita coisa , pouco sabia
e talvez se lembrará de pouco ou quase nada daquele tempo no futuro.
A viagem que por conta da ansiedade parecia demorar uma
eternidade chegou ao seu destino. Mal desfizeram as malas e as meninas já
começaram a atormentar para que fossem à praia. Juntas entraram correndo no
banheiro da minúscula casa e saíram de lá cada uma com seu maiô novinho,
especialmente dado de presente pela avó para a tão sonhada ocasião. A família
se preparou, a mãe com seu biquíni surrado comprado há muito tempo atrás e o
pai com sua bermuda de ficar em casa, partiram a pé rumo a praia que ficava a
pouco tempo dali. As meninas saltitantes iam carregando cada uma suas toalhas
pelo caminho enquanto o pai e a mãe iam atrás observando aquilo ao mesmo tempo
em que olhavam um para o outro, emocionados.
E finalmente chegaram. Só quem sabe o que é ver o mar pela
primeira vez entende o que as meninas sentiram. A mais nova puxou o pai pelo
braço e o fez entrar junto com ela, corria das ondas, ria, pulava, gritava
enquanto a mais velha apenas observava. Bia era sofrida demais, tão sofrida que
temia que se corresse para o mar aquele momento se acabaria em um instante e
viraria pó, como a areia que entrava em seus chinelos. Bia temia que de uma
hora pra outra a água a acordasse daquilo que parecia ser um lindo sonho.
Os dias se passaram, os biquínis que antes pareciam novos
agora eram surrados, marcados de areia. As meninas nunca haviam tomado tanto
sorvete, as economias valeram a pena e o pai fazia questão de que comessem tudo
aquilo que tinham vontade. O cansaço
fazia com que dormissem muito cedo todos os dias, mas também levantavam antes
que o sol raiasse para que não perdessem nenhum tempinho do passeio.
Então o tão temido dia chegou, já era hora de fazer as
malas, mas antes de partirem a menina mais nova pediu que dessem mais uma
voltinha na praia para se despedir. Naquele por do sol era Ana e mar, mar e Ana,
como na música. Foi quando a menina tristonha teve uma ideia, só precisava de
um pote. Arrastou a irmã mais velha pelas mãos e correu até o quiosque mais
próximo e implorou para que a mulher lhe desse um potinho vazio de margarina.
Com seus olhinhos brilhantes e voz manhosa não havia quem resistisse e ganhou o
seu potinho. Enquanto isso João insistia para que fossem embora, mas Lúcia o
segurou pelo braço e com um olhar em um momento daqueles que só quem é próximo
entende lhe pediu que esperasse. Ana
voltou contente com seu pote pegou um pouco de areia, um pouco de água e fechou
correndo. Agora a menina mais nova poderia ir tranquila para casa, estava
levando o mar com ela e ele brotaria assim como brotam as flores no jardim de
Lúcia.
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