Geraldo era um caipira que morava em uma fazenda no interior de Minas Gerais. Ao contrário do que dizem caipiras não são homens preguiçosos, mas trabalhadores que usam do seu suor, do seu trabalho sol a sol para garantirem o sustento da família de forma digna e honesta. 
Era chamado por todos de Gerardo porque acreditava que a outra pronuncia era errada e exigia que fosse chamado assim. Não sabia ler, nem escrever, aprendeu seu nome assim, sua família o pronunciava assim e, portanto todos deviam fazer o mesmo.  Quem visse aquele magrelo de pernas compridas, que mais pareciam um bambu de cutucar estrela, andando daquele seu jeito desengonçado não imaginava o coração e a mente que aquele homem tinha. Coração puro e inocência de criança serviam para provar que só havia crescido no comprimento e esquecido completamente de crescer mentalmente. Era um ingênuo, solteiro e sem filhos e que morava sozinho com a mãe.
Todos os dias, após o árduo trabalho na fazenda seguia o mesmo ritual. Chegava em casa, tomava seu banho, colocava seu pijama e ia comer sua ‘janta’. Sentado próximo ao fogão a lenha comia em sua marmitinha seu prato preferido arroz, feijão, batata e ‘zoião’, que é como chamava o ovo frito. Não podia comer em paz, quieto, precisava de uma companhia que o alegrasse naquela hora do dia, o rádio. E mesmo depois que comia ficava ali, ouvindo aquela caixa que falava coisas das quais não sabia, mas que adorava ficar sabendo. 
Um dia, o filho do fazendeiro foi à cidade e encontrou um velho amigo, o famoso radialista. Conversa vai, conversa vem , decidiu contar-lhe sobre o colono que morava em sua fazenda. Contou o quanto Gerardo era seu fã e descreveu minuciosamente não só sua rotina como também sua aparência física. O radialista ficou encantado com o que acabara de ouvir. E quem é que não fica quando vê seu trabalho sendo reconhecido?
Era um dia comum e Gerardo estava repetindo sua rotina. Sentado, comendo, ouvindo seu rádio tudo parecia correr na maior monotonia e tranqüilidade habitual. Foi quando o radialista começou “Ei você ai ouvinte amigo, que me ouve todos os dias enquanto janta após um dia duro de trabalho” .Gerardo começou a achar aquilo estranho. “Tá jantando ai né? Jantinha gostosa que a sua mãe faz. O que tem hoje? Deixa eu adivinhar ?! Arroz, feijão, batata e zoiudo? Qualquer dia vou ai comer com você viu Gerardo ?” Gerardo perdeu a cor, esbugalhou os olhos mais que o normal, jogou a marmita para o alto e saiu correndo gritando desesperado: “ A caixa falou comigo, ela ta me vigiando”.
Acreditem só  que Geraldo nunca havia parado para pensar no funcionamento de um rádio, nem mesmo sabia o nome daquela coisa. Era um chucro. Quando viu aquele homem descrevendo sua vida e seus hábitos com detalhes achou que aquela caixa que ele sempre gostara tanto de ouvir, na verdade era a casa de um homenzinho minúsculo que ficava ali o dia inteiro vigiando sua vida. Depois daquele dia o caipira temia o rádio, tinha pesadelos com o mesmo e só voltou a viver normalmente quando teve certeza que sua mãe havia se livrado da coisa amaldiçoada em um bazar de caridade.

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