Quando eu tinha 10 anos uma gata deu cria no telhado da minha casa e seu filhote caiu. Criança é boba e se ilude fácil, decidi que aquele gatinho amarelinho seria meu. Eu cuidaria dele, ele melhoria e  a gente seria feliz pra sempre, igual em filme. No outro dia quando cheguei da escola fui correndo ver como estava o bichinho, mas ele não estava. O meu pra sempre durou só um dia. Chorei tanto, mas tanto, de uma forma inexplicável. Parecia birra, não havia motivo pra chorar daquele jeito, não tinha porque chorar por algo que ficou comigo por tão pouco tempo. E eu também já não era mais um neném. Só sei que só houve um jeito de parar de chorar: O tico.
Semanas antes do acontecido do gatinho passei de carro com minha mãe em frente a uma clínica veterinária e me apaixonei, amor a primeira vista. Ele era pretinho com caramelo, tinha orelhas enormes, cabia na palma da mão e não tinha os olhos saltados como os outros de sua raça. A gente teve que descer, teve que pegar no colo, teve que fazer inúmeras onomatopeias que representassem fofura, mas ele não foi pra casa comigo naquele dia. Que absurdo! Comprar cachorro?! Onde já se viu isso?! Até então todos os meus cachorros haviam sido ganhados, cada um com sua história peculiar. A Biba foi minha primeira cachorra, encontrada em uma manilha de água em uma noite de muito frio. Depois de muito fazer bagunça e quase deixar minha mãe louca, a Biba teve que ir pra roça. Lá em casa tinha uma só regra, se cachorro desse trabalho ia pra roça. E depois que ia pra roça a gente perdia totalmente o contato. Acontece que a Biba tinha mania de seguir meu pai para todos os lados e um dia ela foi picada por uma cobra. Diz minha mãe, em forma de consolo talvez, que a Biba levou a picada no lugar do meu pai. A Biba então foi uma heroína. A Tchutchuca foi a segunda cachorra, com nome de rainha do funk deixou minha mãe louca e também foi pra roça. Ela não teve uma morte heroica, ficou lá e só. Que fique bem claro que a gente não abandonou nenhuma delas. Na roça tinha gente que cuidava, tinha inclusive crianças que brincavam e adoravam as cachorras.

Mas depois de tanto choro, tanta manha, não teve jeito. Meu pai teve que me dar o Tico. Lembro direitinho do dia em que ele chegou. Combinei de ir com meu pai buscar e parece que não chegava nunca a hora marcada. Quando cheguei na casa da minha vó com aquele serzinho, ela me deu um cobertorzinho e ele ficou ali comigo a tarde inteira. Com o tico foi tudo diferente,  cachorro pequeno é outra convivência. A gente passou por tanta coisa e ele sempre lá. Uma vez entrou ladrão lá em casa e só não fez nada com minha irmã porque o Tico fez um escândalo, minha mãe adora contar essa estória. Acho que a gente atrai cachorro herói, cachorro herói ou anjo de 4 patas. O Tico odeia briga, odeia choro, ele quer que todo mundo seja feliz e em paz. Ele tá sempre com a gente, não precisa de muito pra ser feliz, um carinho basta e se der comida aí que ele vira fã mesmo. Consegue perceber que a gente está chegando antes mesmo de abrirmos o portão, ele fica todo todo com as orelhas de pé. O Tico tem o coração tão bom, mas tão bom que mesmo depois de ouvir a vida inteira que ele deveria odiar gatos ele aprendeu a conviver com uma e hoje são melhores amigos.

Tenho uma dificuldade enorme em escrever sobre aquilo que gosto, acho que porque não tem palavra no mundo que descreva certos sentimentos e momentos. Tem coisa que não tem como contar, tem que sentir. O Tico não é mais o mesmo, no auge dos seus 11 anos ele tem barbinha branca, poucos dentes, é roliço como um tatuzinho e isso me dá um aperto no peito, sabe? Semana passada achei que o Tico estivesse doente, aquilo me deu uma tristeza, um arrependimento. Tantas vezes que eu perdi a paciência com ele e ele só queria um carinho, um passeio. A gente tem que dar valor naquilo que a gente tem enquanto tem, depois não adianta ficar lamentando.

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