Até semana passada eu não lembrava de ter sido uma criança muito bagunceira, mas aí aconteceu umas coisas e andei revendo meus conceitos. Minha infância inteira eu fui vizinha de um senhor doente o que me impedia de fazer bagunça. Lá em casa era proibido gritaria e música alta, por exemplo. Um fato curioso, que não tem nada a ver com o texto, é que meu pai a vida inteira brincou que eu era filha do vizinho e eu jamais entendi o porquê da brincadeira constante até crescer e colocar malícia no apelido do homem, o Senhor Picão.



Enfim, esses dias eu tava lembrando que eu era uma criança bagunceira sim. Pelo menos lembro de ter feito coisas simples como tocar a campainha e sair correndo, roubar cartas, murchar pneus. Todo mundo já fez isso. Eu nunca entendi porque sacanear as pessoas era tão engraçado, simplesmente era. A adrenalina, o medo de ser pega em flagrante, o que aconteceu infinitas vezes, mas jamais me impediu de voltar a fazer, tudo colaborava para a diversão.
Certa vez, fui pega com minhas amigas no flagra murchando um pneu e eu ainda tive a cara de pau de alegar que aquele era o carro do meu pai. Só sei que o homem que nos pegou no flagra conhecia o dono do carro e o gritou na porta da sua casa para contar. Ainda me lembro do pânico que senti quando o ouvi gritando NESTOOOOOR. Nunca corremos tanto na vida, na verdade devo ter corrido mais outras vezes, mas sabe como é memória né? A gente sempre acha que algo é maior do que realmente é. Passamos a noite toda planejando o que faríamos caso o senhor chamasse a polícia. E as pessoas de quem roubávamos cartas? A maioria era conta de água e luz, mas já imaginou o transtorno?  Havia também uma senhora que era uma vítima frequente. Sempre apertávamos sua campainha e ficávamos de tocaia para vê-la atender e não ser ninguém. Uma vez ela foi lá em casa tratar de outros assuntos com minha mãe e eu nunca senti tanto medo na vida.

Esses dias eu estava em casa dormindo e a campainha tocou. Era sábado e sábado é sagrado, não acordo por nada. Ignorei a campainha e continuei a dormir. A campainha tocou a tarde inteira e todas a vezes que minha mãe ia ver, não era ninguém, até que pegou os vizinhos no flagra. Minha mãe, mulher madura, é claro que não fez nada, mas ficou com muita raiva e os meninos viraram assunto a semana inteira. Ela falava: Esses meninos parecem o Dênis, o Pimentinha. E eu cheguei a zoá-la falando: Então você é o  Senhor Wilson, mãe. Fizemos vários planos imaginários de como pegá-los, muito maduro da nossa parte. Inclusive chegamos a sentar na porta e mencionar quando um dos meninos passou de bicicleta que conhecíamos a mãe dele, assim como quem nada quer, sabe?  A brincadeira é claro que não parou.

Hoje estava de buenas em casa quando a campainha tocou novamente. Normalmente eu ignoraria, mas hoje não. Saí daquele jeito mesmo, de pijama de bolinhas, a blusa do lado do avesso e o cabelo preso em um coque bagunçado daqueles de ficar em casa. Abri a porta e vi aqueles pestinhas na esquina rindo da minha cara. Eu, menina madura, voltei pra dentro e ignorei né? Claro que não, gritei a primeira coisa que me veio na cabeça: VOCÊS NÃO TEM VERGONHA NÃO? E entrei pra dentro de casa rindo alto da minha atitude. Havia vários vizinhos na rua que presenciaram meu surto. Quando foi que eu fiquei tão velha e louca? Quando foi que eu virei a bruxa dos 71 do meu bairro? Isso é uma tragédia, gente. E o pior, vocês não sabem. O menino é neto da senhora que eu tanto apertei a campainha na minha infância. Se isso não é karma, eu não sei mais o que é.


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