Há cães que nascem para caçar, outros para auxiliar bombeiros ou policiais, alguns nascem para trabalhar no circo ou até mesmo para serem estrelas de cinema. Há cães que nascem simplesmente para brincar com seus donos, pegar a bolinha em troca de ou não de algum petisco. Clemente se sentia estranho, não se encaixava em nenhum desses padrões. Era essa a resposta que dava quando perguntavam a ele o que fazia da vida. ‘Não faço nada, não sou bom em nada não nasci para nada. ’ E para que fizesse era necessário que ao menos reparassem sua presença se não fosse para xingar , maltratar ou simplesmente se afastar. Apesar da liberdade tão sonhada por tantos a vida de um cachorro de rua pode ser muito triste.
Se por acaso alguém parasse para ver, perceberia que clemente até que era um vira lata simpático. Branco com caramelo, pelos curtos, magro demais e pequeno de menos, orelhas e olhos caídos que lhe davam expressão de cansaço permanente, como se pedisse o tempo todo clemência. Clemente apenas sobrevivia, comia uma coisinha aqui, outra ali e as vezes quando necessário se coçava quando atacado por pulgas. Nem mesmo corria atrás do gato da vizinhança que tanto o provocava, achava a brincadeira totalmente sem fundamento.
Não se sabe de quem era filho. Nascido em uma noite qualquer e abandonado por uma cadela qualquer logo após o nascimento como muitos outros cães ou até mesmo com alguns homens. Estava o cão cansado daquela vida, de não ser ou fazer nada. Precisava encontrar uma razãozinha sequer para continuar a viver e então pararia simplesmente de procurar comida que era a única coisa que fazia para continuar vivo. Esperaria pela morte do mesmo modo que passou a vida inteira, sozinho.
Cansado de procurar pela morte, Clemente percebeu que nem para isso prestava, nem mesmo morrer conseguia. Caminhava então atrás de um café da manhã que saciasse aquela fome que não o matava, mas tanto o incomodava. Foi então que milagrosamente algo conseguiu lhe chamar a atenção. Ficou ali paralisado enquanto vinha em sua direção uma bela mulher. Não era de uma beleza óbvia como as moças da TV que havia visto algumas vezes em lojas de eletrodomésticos, mas ainda assim era bela. Nem gorda, nem magra, nem alta, nem baixa, um tipo que poderia passar facilmente despercebida se não fosse por aquele detalhe.
O fato é que a moça que tinha um olhar um tanto quanto perdido, não estava sozinha, mas acompanhada de um cão labrador. Clemente não entendia o porquê daquilo só que entendia perfeitamente que o cão ajudava a bela. Ele gostou tanto, mais tanto daquilo que desejou com toda a força e fé do mundo ser como aquele cão. Foi naquele momento que Clemente encontrou sua vocação, havia nascido para ajudar pessoas que não podiam ver. Mas por que teve que demorar tanto?  Se ao menos Clemente fosse um cão labrador , ou pelo menos pudesse tentar agir como um, se tivesse oportunidades na vida e tivesse visto aquela cena um pouco antes de desistir e se entregar à própria sorte, ele não teria tido o mesmo fim que a maioria dos cães de rua. 

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